Tenho dito e repetido que considero a Doutrina Maçônica exuberante. Os símbolos e conceitos que a compõem certamente são dignos de nosso reconhecimento. Mas um destes aspectos em especial, que diz respeito a uma das Virtudes que o Maçom deve praticar, é de minha predileção: a Tolerância. Penso assim porque julgo que um dos principais objetivos perseguidos por nossa Ordem, a fraternidade universal, está diretamente ligado a esta Virtude.
Tenho lido e ouvido opiniões sobre o conceito de Tolerância entre nós Maçons, e também severas críticas quanto à confusão existente, que de certa forma julgo natural, em relaciona-la com permissividade, omissão e concessão, que obviamente são coisas diferentes. Mas o que é a Tolerância?
O verbete tem raízes etimológicas no latim, derivando do verbo tolerare, que possui diversos significados nos dicionários da língua portuguesa, sendo que, na minha opinião, “suportar” seria o mais adequado. Digo isto porque o termo possui como definição conceitual a capacidade de admitir comportamentos ou situações divergentes das regras comuns. Logo de plano podemos perceber que além de ser um ato eivado de subjetividade, a Tolerância faz clara alusão às “diferenças”.
Esta subjetividade quanto ao entendimento, aliada ao fato desta Virtude não aparecer de forma explícita em nossos Rituais, nos levam à dúvida sobre o seu significado, e o que ela representa para a Maçonaria. As perguntas mais frequentes são: devemos tolerar os erros e desvios de conduta de nossos Irmãos? Se assim agirmos não estaremos sendo coniventes, complacentes ou omissos? Penso que a primeira questão não diz respeito ao conceito de Tolerância, e é exatamente isso que ocasiona a confusão, pois se os erros e desvios de conduta citados se referem aos aspectos legais, morais, éticos, doutrinários, etc., a Tolerância não é aplicável. Só podemos e devemos ser tolerantes quando esses “erros” e “desvios de conduta” forem frutos de nosso julgamento pessoal, de nossas opiniões, ou seja: quando forem atitudes provenientes de pensamentos diferentes dos nossos, originados das nossas “diferenças”, ou características de personalidade.
Um exemplo disso, e bastante comum em nossas Sessões, ocorre quando um Irmão chega atrasado e bate à porta pedindo ingresso. Nenhum de nós imagina que o Irmão esteja fazendo isso de forma proposital, para quebrar a Harmonia da Sessão ou prejudicar os Trabalhos, pelo contrário, entendemos que fatores alheios à sua vontade impediram que participasse da Abertura da Loja. Toleramos isso, e permitimos que ele ingresse no Templo. Porém, apesar de mantermos todo o entendimento mencionado anteriormente, se este mesmo Irmão bater à porta após a circulação do Tronco de Solidariedade não poderemos agir da mesma forma e permitir seu ingresso, pois isso será uma transgressão às normas, e, portanto, o princípio da Tolerância não é aplicável.
Apesar de restar claro que o limite é exatamente a observação da lei, das normas, a matéria não deixa de ser complexa, e não poderia deixar de ser, do contrário não exigiria nossa reflexão, e é justamente isso que a Doutrina Maçônica espera de cada um de nós: reflexão. Não foi à toa que em nossa Iniciação fomos acomodados em um local que possui exatamente esta denominação: Câmara das Reflexões. O que às vezes nos foge à percepção é que esta Câmara das Reflexões nos acompanhará pelo resto de nossas jornadas como Iniciados. Mas, afinal, o que a Doutrina Maçônica entende como Tolerância, e que valor atribui a esta Virtude?
O princípio da Tolerância é basilar na Maçonaria, justamente porque formamos uma Fraternidade. Há muitos símbolos em nossos Templos que nos exortam à prática da Tolerância, porém há dois em especial que me parecem emblemáticos.
O primeiro deles, na minha opinião o mais contundente e expressivo, é o Pavimento Mosaico. O Pavimento Mosaico representa não apenas a dualidade do Universo, mas a diferença que define cada um dos seres humanos como uma individualidade, seja pelos aspectos físicos, intelectuais, raciais, sociais, ideológicos ou filosóficos, e utiliza a simbologia dos “opostos extremos” para esta função, exercida pelas suas lajotas pretas e brancas dispostas alternadamente.
Reparem que as lajotas pretas e brancas não lutam entre si, não disputam nenhuma posição, e apesar de totalmente antagônicas em seus “aspectos externos”, formam um conjunto coeso e harmônico, altamente agradável para nossos olhos, e relaxante para nossos sentidos. Quase hipnótico. Cada lajota “tolera” a existência e o convívio com sua “vizinha oposta”, pois estão unidas pela sólida e tríplice argamassa formada pela Harmonia, Paz e Concórdia.
Cada um de nós é uma pedra, somos diferentes uns dos outros, mas todos imprescindíveis à Grande Obra. Há um lugar específico para cada um de nós em Loja, na Maçonaria, e na sociedade. O Universo evolui pelas diferenças, e não pela homogeneidade. Somos peças complementares da Criação, com papéis distintos a desempenhar, e incapazes de fazermos o que quer que seja sozinhos, sem ajuda. Embora o processo evolutivo seja individual somos todos dependentes, em menor ou maior grau, de auxílio externo para progredirmos. Compreender essa nossa natureza, conhecer nossas limitações, e respeitar as individualidades é praticar a Tolerância.
O outro símbolo, de caráter mais filosófico por assim dizer, é composto pelos sete degraus simbólicos de nossos Templos: quatro deles no Ocidente e três no Oriente. Esses “degraus” representam um conceito bastante antigo sobre a evolução do homem rumo à Perfeição, foram propostos por Platão há quase 2.500 anos, e reinterpretados por Santo Agostinho e Tomás de Aquino na Idade Média sob a ótica teológica. Esses degraus passaram a ser conhecidos como “as Sete Virtudes”: quatro delas foram chamadas de “Cardinais” numa alusão aos quatro Pontos Cardeais, pois direcionam nossos passos no aperfeiçoamento ético e moral, que propicia a união entre os homens; e as outras três foram denominadas de “Teologais”, por aproximarem o homem de Deus. Podemos dizer que o mesmo princípio existe nas Tábuas da Lei de Moisés, onde a primeira, contendo quatro Mandamentos se refere à aliança de Deus com os homens; e a segunda, com os seis restantes, estabelece os requisitos para a aliança entre os homens. Reparem que em ambos os casos os requisitos para o aperfeiçoamento das relações entre os homens são em maior número que aqueles que permitem o relacionamento com a Divindade, o que nos faz presumir que a Harmonia entre os homens é fundamental e imprescindível para nosso encontro com o Grande Arquiteto do Universo.
A Maçonaria, por sua vez, fez uma nova reinterpretação destas Virtudes; renomeou e reordenou as Cardinais, que dispôs nos quatro primeiros degraus de nossos Templos (no Ocidente), com a nomenclatura de: Temperança; Justiça; Coragem, e Prudência; e manteve as três Teologais: Fé, Esperança e Caridade, que formam os três degraus do Oriente, de maneira intacta. Para nosso estudo interessam apenas os quatro degraus do Ocidente.
Notem que nenhum destes degraus se denomina Tolerância, o que a princípio contraria minha argumentação. Será?
Vamos examinar um a um, exatamente como se estivéssemos subindo essa escada simbólica:
O primeiro degrau é a Temperança, que nos remete à necessidade de equilíbrio em nossas ações. Mas essas ações só poderão ser medidas como equilibradas se forem comparadas em relação ao próximo. Devemos ser equilibrados com o próximo, e não conosco. Para isso será necessário compreendermos a natureza alheia, entender que cada um de nós é um ser com personalidades e dons distintos. Devemos sem dúvida exercer a Tolerância para galgar este degrau.
O segundo degrau é a Justiça. É obvio que nosso objetivo como Iniciados é nos tornarmos “Justos e Perfeitos”. O Nível que afere nosso alinhamento horizontal; e o Prumo que afere nosso alinhamento vertical, encontram-se nas duas Colunas para nos mostrar exatamente isso. Devemos buscar a Justiça em nossos atos em todos os sentidos. Mas a Justiça só se dará se tivermos a convicção de que todos somos iguais apesar de nossas diferenças individuais, seja de classe social, racial, religiosa, etc. Não há como praticar a Justiça sem que exercitemos a Tolerância primeiro.
O terceiro degrau é a Coragem, que nas Virtudes Cardinais da Igreja Católica recebe a denominação de Força, ou Fortaleza. Creio que nossos Ritualistas alteraram sua denominação para não causar confusão em relação ao atributo da Coluna do Sul, mesmo porque a Coragem nada mais é que a Força que nos impulsiona a seguir adiante, e é isso que essa Virtude, tenha lá a denominação que adotarmos, pretende como objetivo. Ter Coragem não é sinônimo de não ter medo, significa prosseguir apesar do medo. É a Coragem que nos impele a vencer nossos medos e paixões, a ignorar nossas inseguranças e incertezas e seguir em frente. A Coragem “tolera” a existência do perigo, mas da mesma forma “tolera” que haja o impulso que nos leva a enfrenta-los. Certamente tememos nossos inimigos, cuja existência admitimos e toleramos, pois se não existissem inimigos, obstáculos, e perigos a Coragem seria desnecessária.
O quarto e último degrau do Ocidente é a Prudência, que é a capacidade de sermos ponderados, sensatos e cautelosos. Esta Virtude nos exorta a sermos pacientes, tolerantes com a passagem do tempo necessário à reflexão e nosso amadurecimento antes de tomarmos alguma atitude. Prudente é aquele que age com Temperança, Justiça, Coragem e Tolerância. No antigo Egito a Prudência era simbolizada por uma serpente de três cabeças: uma de cão, simbolizando a paciência; uma de leão, simbolizando a força, e uma de lobo simbolizando a agilidade. O corpo de serpente simbolizava a astúcia.
Dito isto posso afirmar que apesar da Tolerância não designar nenhum dos degraus do Templo, sem ela não venceríamos nenhum deles sequer.
A Tolerância é algo tão importante para a humanidade que a ONU estabeleceu o dia 16 de novembro como “Dia Internacional da Tolerância”. A Tolerância nada mais é que o respeito pela individualidade do próximo.
Temos o hábito de sermos generosos, tolerantes e indulgentes conosco, mas por vezes falhamos em exercitar esta Virtude com os outros. Na Maçonaria, enquanto o V.I.T.R.I.O.L. nos exorta a olhar para nosso interior, a Tolerância, como o oposto complementar das lajotas do Pavimento Mosaico, nos impele a olhar para fora, para o Universo a nosso redor.
Sem o exercício da Tolerância não há fraternidade. O Rito Adonhiramita é denominado de “Rito do Amor”, e é a Tolerância, a capacidade que temos em conviver com as diversidades, que permite que a expressão “Amado Irmão” ao invés de um simples vocativo seja a voz de nossos corações.
SERGIO EMILIÃO
M∴I∴
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