Místico, espiritual, histórico, ortodoxo e tradicional. Muitos são os adjetivos empregados para definir o Rito Adonhiramita, adorado e idolatrado por seus praticantes e às vezes criticado pelos demais.
Falar sobre suas origens e história é algo tão difícil quanto apaixonante e desafiador. Pelas mais diversas razões a literatura dedicada é bastante escassa, e documentos referentes aos primórdios de sua prática são bastante raros.
O Rito Adonhiramita é definido por muitos autores como preservador de sua essência original, como mantenedor das tradições ritualísticas e das práticas iniciáticas das escolas de mistério da antiguidade, e das ordenações do período operativo da Maçonaria, sendo comumente caracterizado como essencialmente metafísico, teísta, esotérico e místico. Suas cerimônias são marcadas principalmente pela requintada liturgia, pela musicalidade constante em seus rituais e pela tradição. O rigor ritualístico é quase uma obsessão para os maçons Adonhiramitas. Alguns autores defendem que assim como todos os Ritos Maçônicos de origem francesa, o Rito Adonhiramita é fruto da evolução e do aperfeiçoamento dos Ritos de Kilwinning, York e Clermont, praticados pelas Lojas britânicas, e, sobretudo, do desdobramento do Rito de Heredon (Monte Místico), também chamado de Rito de Perfeição, originário da Escócia e amplamente praticado na França no século XVIII1. Porém, o Rito Adonhiramita não absorveu os conceitos jacobitas inseridos pelos exilados na França da linhagem escocesa dos Stuarts, adotando os conceitos da Maçonaria inglesa, particularmente da corrente denominada de Modernos, após a fundação da Grande Loja de Londres e Westminster em 1717.
Apesar disso, Oscar Argollo, autor maçônico das primeiras décadas do século XX, na obra intitulada O Segredo da Maçonaria2 classifica o Rito Adonhiramita como um dos mais antigos, associando sua origem a um ritual de 1248, século XIII, utilizado pelos construtores da Catedral de Colônia na Alemanha que chamou de Rito Primitivo do Egito, do qual os rituais Adonhiramitas teriam se originado. Afirma ainda que há indícios da prática do Rito Adonhiramita numa forma que chamou de primitiva em 1616, já no período de transição entre os modos operativo e especulativo, com 7 Graus. Na verdade, mesmo que essas afirmações até certo ponto surpreendente sejam verídicas, esse Rito com certeza não possuía o nome de Adonhiramita.
A denominação Adonhiramita é posterior a 1725, e se deu em virtude de um acirrado debate ocorrido na Europa na primeira metade do século XVIII após a adoção da terceira e definitiva versão da Lenda do Terceiro Grau, que adotou a construção do Templo de Jerusalém como base, dando origem a duas correntes de pensamento, uma que defendia Hiram Abiff como o arquiteto do Templo de Salomão, e que se denominou Maçonaria Hiramita, e outra que atribuía o cargo a Adonhiram, e ficou conhecida como Maçonaria Adonhiramita.
É de se notar que neste período, anterior a 1750, quando ocorre a explosão de Ritos na França, a Maçonaria continental tinha a mesma prática das ilhas britânicas, ou seja, havia rituais com diferenças e peculiaridades entre si, mas não Ritos como os conhecemos atualmente.
1 O Rito de Heredon além de ser a base do Rito Adonhiramita, também o é do Rito Moderno e do Rito Escocês Antigo e Aceito.
2 ARGOLLO, Oscar, O Segredo da Maçonaria, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1942
Este amplo debate levou o abade Louis Travenol a publicar em 1744, em Paris, sob o pseudônimo de Leonard Gabanon, uma obra intitulada Catéchisme des Franc-Maçons, ou le Secret des Franc-Maçons. Nesta obra o autor faz uma análise teológica da personagem adotada pela Maçonaria como arquiteto do Templo de Salomão com base na narrativa bíblica contida no primeiro Livro dos Reis e segundo Livro das Crônicas. Em sua argumentação demonstra que os textos bíblicos citam três personagens distintas e homônimas designadas sob o nome de Hiram. Um deles seria o rei de Tiro, na Fenícia, amigo de Davi e de Salomão, que teria fornecido a mão de obra e os materiais para a construção do Templo de Jerusalém. Outro seria Adonhiram, citado por Flávio Josefo na História dos Judeus como Adoram ou Aduram, que teria supervisionado os trabalhos e as obras do Templo, enquanto o último, designado como Hiram Abiff, seria um fundidor de metais, um hábil escultor em bronze responsável pela execução dos ornamentos em metal do Templo tais como o mar de bronze, os candelabros e as duas colunas vestibulares. Ou seja, segundo o relato bíblico, Hiram Abiff teria trabalhado apenas após a conclusão das obras de construção do Templo, depois de assentada a última pedra e Hiram ter retornado a Tiro, e por não ser pedreiro de ofício não poderia, portanto, ser considerado o seu arquiteto. Travenol defendia com base na exegese bíblica que a identificação correta da personagem principal da Lenda do Terceiro Grau era Adonhiram3.
Alguns autores e ritualistas por discordarem da interpretação de Travenol desenvolveram a tese de que o nome Adonhiram era uma simples aglutinação do prefixo hebraico Adon, que significa Senhor com o nome próprio Hiram sugerindo com isso que um título teria sido atribuído à personagem, que traduziam como Senhor Hiram, Excelso Hiram ou Hiram Consagrado ao Senhor. Do outro lado o escultor de bronze teria sido diferenciado do rei fenício pela adição do sufixo também hebraico Abiff, que seria a forma no hebraico antigo para o Abá do aramaico na época de Jesus que designava Deus como pai. Desta forma, segundo esta corrente, Hiram Abiff e Adonhiram seriam a mesma personagem com títulos ou designações diferentes que serviriam apenas para diferenciá-los de Hiram, rei de Tiro.
Em 1781, o ritualista Louis Guillemain de Saint-Victor publica na Filadélfia, EUA, o primeiro volume da obra intitulada Recueil Précieux de la Maçonnerie Adonhiramite, Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita em nosso idioma, que abordava os três Graus do Simbolismo e o Grau de Mestre Perfeito, certamente inspirado no modelo da Grande Loja de Londres e Westminster que além dos Graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre adicionava um “quarto Grau”, o Sagrado Arco Real. Esta obra se tornou referência para o Rito Adonhiramita, e nela Saint-Victor reforça o entendimento de Travenol de que Adonhiram devia ser considerado o arquiteto do Templo na lenda maçônica4. Posteriormente publica o segundo volume contendo do Grau Cinco ao Grau Doze, correspondendo este último ao Grau de Cavaleiro Rosa-Cruz que classificou como nec plus ultra, expressão latina que significa nada há além.
Saint-Victor, que era partidário da corrente de Travenol, reforça o entendimento sobre o arquiteto do Templo de Salomão nos seguintes termos:
“(…) Uma parte pretendia que devia ter sido Hiram e a outra queria que tivesse sido Adonhiram. Os adeptos do primeiro supunham que o nome Adon era um apelido dado a Hiram quando ele terminou os trabalhos de bronze, ou após sua morte, e acreditando estarem bem instruídos para os altos Graus, ousavam concluir que a Bíblia e todos os autores sagrados tinham se enganado e que era preciso ler Hiram, Grande Arquiteto do Templo (…)
3 TRAVENOL, Louis, Cathécisme des Franc-Maçons ou Le Secret des Franc-Maçons, Paris, 1744 p.13-17
4 SAINT-VICTOR, Guillemain, Recueil Precieux de la Maçonnerie Adonhiramite, Filadélfia, 1785, p. 64-68
Os que respeitavam a Santa Escritura refutavam essas asserções e tratavam seus autores de inovadores; então os dois partidos trocavam injúrias, acusavam-se reciprocamente de ignorantes (…)
Ora, a escritura diz muito positivamente, no décimo quarto versículo do quinto capítulo do terceiro Livro dos Reis, que era Adonhiram. Josefo e outros autores sagrados dizem o mesmo e distinguem-no, para não deixar dúvida, de Hiram, tírio, operário de metais; assim, é Adonhiram que deve ser honrado (…)
A ordenação dos Livros dos Reis mencionada nos esclarecimentos de Saint-Victor difere da ordenação atual das traduções da Bíblia, que compilou as cônicas do período dos reis hebreus em apenas dois livros e não três como ele cita. Isso, no entanto, não deve causar surpresa, Saint-Victor utilizou como referência o formato da Septuaginta, versão grega dos livros sagrados dos judeus, que certamente entendia mais próxima da realidade linguística e histórica que a Vulgata Editio, em latim, de Jerônimo de Strídon, e que serviu de base para a maioria das versões atuais. Isso demonstra uma erudição notável para a época em que viveu, que é ratificada em sua obra posterior, As Origens da Maçonaria Adonhiramita.
Atualmente, ao que se sabe, além do Rito Adonhiramita apenas o Rito Sueco Trinitário mantém o entendimento de Adonhiram ser o arquiteto do Templo de Jerusalém.
Existe uma suspeição de irregularidade do Rito Adonhiramita por conta desse entendimento, exclusiva e curiosamente corrente apenas entre os maçons brasileiros. A argumentação deste grupo é de que a Lenda do Terceiro Grau teria sido modificada, ferindo assim um Landmark. Isto é um equívoco.
Primeiramente, se levarmos em conta que o Rito Adonhiramita é praticado por Potências Simbólicas regulares no Brasil e em Portugal, obedientes à Grande Loja Unida da Inglaterra, esse argumento simplesmente cairia por terra. Aliás, as Constituições de Anderson foram promulgadas em 1723, antes da adoção da Lenda do Terceiro Grau e do próprio Grau de Mestre Maçom, portanto, não pode haver qualquer presunção de irregularidade neste sentido. Mesmo em sua reforma, ocorrida em 1738, não há qualquer menção à Lenda do Terceiro Grau como regra de regularidade da Maçonaria. Da mesma forma, os Princípios Universais de Reconhecimento promulgados pela Grande Loja Unida da Inglaterra em 1929 e reformados em 1989, que estabelecem as regras básicas de regularidade e reconhecimento entre as Potências Simbólicas não se refere à Lenda do Terceiro Grau em nenhum momento.
No que diz respeito aos Landmarks, cuja lista é superior a 60 modelos diferentes, temos que compreender que foram estabelecidos por maçons, apresentando seu entendimento pessoal, e não pela Grande Loja Unida da Inglaterra, que jamais adotou qualquer uma dessas listas como oficial, atitude repetida pelas Potências Maçônicas espalhadas pelo mundo.
Enfim, se a Grande Loja Unida da Inglaterra, única entidade que no meu entendimento seria capaz de arguir a regularidade do Rito Adonhiramita jamais o fez, certamente é porque ele não o é.
A primeira edição dos dois volumes da Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita postulava a seguinte hierarquia de Graus, divididos do 1 ao 4 no primeiro volume e do 5 ao 13 no segundo:
• Grau 1 – Aprendiz Maçom
• Grau 2 – Companheiro Maçom
• Grau 3 – Mestre Maçom
• Grau 4 – Mestre Perfeito
• Grau 5 – Primeiro Eleito ou Eleito dos Nove
• Grau 6 – Segundo Eleito ou Eleito de Perignan
• Grau 7 – Terceiro Eleito ou Eleito dos Quinze
• Grau 8 – Pequeno Arquiteto
• Grau 9 – Grande Arquiteto ou Companheiro Escocês
• Grau 10 – Mestre Escocês
• Grau 11 – Cavaleiro da Espada, do Oriente ou da Águia
• Grau 12 – Cavaleiro Rosa-Cruz
Desta mesma obra, no primeiro volume, consta um Ritual de Loja de Mesa, e na edição de 1785 rituais completos para fundação de Lojas de Adoção, o que implica dizer que Saint-Victor não era contrário à presença feminina na Maçonaria. Apesar disso, não há registros de Lojas Adonhiramitas femininas ou mistas nem na França, nem em Portugal, e nem no Brasil a qualquer tempo.
Alguns autores defendem a tese de que a motivação dos doze Graus supostamente originais tenha sido os doze signos do zodíaco, o que pode parecer curioso, já que as colunas zodiacais jamais fizeram parte da decoração dos Templos Adonhiramitas. Mas faz todo sentido se observarmos a circulação em Loja representando o trânsito aparente do Sol no firmamento. Doze representa o ciclo cósmico, universal, relacionado a tudo o que é divino e ocorre sem a interferência do homem, o Sol é justamente o elemento modificador, o décimo terceiro elemento, que ao passar pelas casas zodiacais altera o status quo da Natureza num eterno ciclo de renovação.
Ocorre, no entanto, que neste segundo volume da Compilação Preciosa foi publicada a tradução de um ritual alemão, que anteriormente já havia sido feita no Jornal de Trevoux, que se referia à antiga Ordem dos Cavaleiros Noaquitas ou Prussianos, traduzido para o idioma francês por De Bérage, que sugeria a existência de um décimo terceiro Grau e causando uma enorme controvérsia em relação ao número de Graus originalmente praticados pelo Rito Adonhiramita.
O exame dos textos de Saint-Victor revela a possibilidade de tratar-se de uma espécie de Grau honorífico, pois era condição sine qua non para ser decorado com ele que o Mestre Maçom possuísse o Grau de Cavaleiro Rosa-Cruz, ou seja, o Grau realmente existia.
Esta inserção de um ritual alemão na doutrina Adonhiramita parece de alguma forma sustentar a relação anterior do Rito com a Alemanha à época da construção da Catedral de Colônia como Argollo afirmara.
Alec Mellor, autor maçônico francês nascido em 1907, atribuiu a Jean Marie Ragon (1781-1862) dois supostos erros em relação ao Rito Adonhiramita em sua obra Orthodoxie Maçonnique: Suive de la Maçonnerie Occulte et de l’initiation publicada em 18535. Estes erros seriam a constituição de treze Graus ao invés de doze e a atribuição da autoria dos textos da Compilação Preciosa a Theodore Henry, Barão de Tschoudy, o Cavaleiro de Lussy (1727-1769). Em relação ao primeiro suposto erro, dos doze Graus, parece ter sido influenciado pelo pensamento de Albert Pike (1809-1891) a esse respeito.
O curioso em relação ao Barão de Tschoudy é que seu nome não é citado na Compilação Preciosa, e a argumentação de Mellor de que Tschoudy era falecido em 1781 e que, portanto, os textos não poderiam ser de sua autoria é bastante frágil, pois obras póstumas têm recheado a História ao longo dos tempos. Da mesma forma não parece razoável a afirmação de Mellor de que Ragon teria confundido a obra l’Étoile Flamboyante, ou la Société des Franc-Maçons publicada em 1766, de autoria inequívoca de Tschoudy, com a Compilação Preciosa. Ragon foi polêmico por conta de sua personalidade mística, mas certamente não era ingênuo e simplório a ponto de cometer
5 RAGON, Jean Marie Baptiste, Orthodoxie Maçonnique: Suivie de la Maçonnerie Occulte et de L’initiation, Paris, p. 147
um equívoco tão grave e aparentemente evidente. Ademais, porque razão os maçons Adonhiramitas da época não se pronunciaram a respeito se estava sendo cometida uma injustiça? É presumível, portanto, que Ragon, por ter vivido em época mais próxima do início formal da prática do Rito Adonhiramita do que aqueles que apontam seus supostos erros, tenha tido acesso a testemunhos contemporâneos, e mais que isso, tenha ele mesmo presenciado à sua época a prática do Rito Adonhiramita com treze Graus.
De todo modo, e certamente, nenhum dos dois ritualistas, nem Saint-Victor, nem Tschoudy, foi o criador do Rito Adonhiramita, mas apenas seus reformadores. Dá conta disso o próprio título da obra, recueil, que pode ser traduzido como compilação ou coleção para a língua portuguesa, e em ambas as hipóteses temos que só é possível colecionar ou compilar algo que é preexistente.
O fato é que durante muito tempo o Rito Adonhiramita foi conhecido como Rito dos Treze Graus e seus praticantes chamados de Cavaleiros Noaquitas, e isso comprovadamente antes da edição da obra de Ragon. O primeiro Ritual Adonhiramita publicado em solo brasileiro, pelo Grande Oriente do Brasil, em 1836, por exemplo, já tinha essa configuração. Deste modo, a afirmação de Mellor parece documentalmente anacrônica.
Na obra Origine e la Maçonnerie Adonhiramite, ou Nouvelles Observations Critiques et Raisonnées6, publicada em 1787 por Saint-Victor, obra ainda inédita na língua portuguesa e de pouca difusão entre os maçons brasileiros, o autor relaciona dentre as influências que resultaram na doutrina Adonhiramita o antigo Egito, os druidas e os magos persas, o que ratifica seu caráter místico desde sua origem oficial, e não como fruto de transformações ocorridas na segunda metade do século XX como muitos apontam. De certa forma esta obra nutre as afirmações de Argollo na inspiração em rituais egípcios de alguma possibilidade real.
Desde sua formalização o Rito Adonhiramita ganhou muitos adeptos na França, porém, a convulsão social pela qual o país atravessava naquela década o levou progressivamente ao declínio. Dentre os fatores a serem destacados neste sentido temos o sentimento antagônico em relação à monarquia e aristocracia francesa, a luta pela instituição de um estado laico e a influência dos ideais liberais do iluminismo.
É de se notar que as Lojas francesas eram formadas por nobres e aristocratas, pela elite dominante, justamente a classe social combatida pelos revolucionários, e por essa razão muitos deles foram executados ou fugiram para terras distantes durante a Revolução Francesa, incluindo o Brasil7. Após a Tomada da Bastilha, a classe média, até então oprimida pela monarquia, assume o comando das Lojas maçônicas. Os ideais liberais iluministas e o expurgo da religiosidade dos rituais se tornam característicos da Maçonaria francesa, como por exemplo na substituição do lema Brotherly Love, Truth & Relief (Amor Fraternal, Verdade e Alívio), das Lojas britânicas, pelo slogan revolucionário Igualdade, Liberdade e Fraternidade, no contexto histórico notadamente mais político do que filosófico.
Certamente a religiosidade do Rito Adonhiramita, teísta e com forte influência cristã, chamou a atenção dos maçons portugueses, maior nação católica da Europa à época, fazendo com que ele migrasse para as terras lusitanas e suas colônias, onde teve mais aceitação, dentre elas o Brasil.
Nesse sentido há que se ressaltar que em apenas duas décadas desde a publicação da primeira edição da Compilação Preciosa o Rito Adonhiramita deixou o solo europeu transferindo-se definitivamente para o Brasil, onde passou a ser praticado exclusivamente
6 SAINT-VICTOR, Guillemain, Origine de la Maçonnerie Adonhiramita ou Nouvelles Observations Critiques et Raisonnées, Heliópolis, 1787, cap. 1
7 VIEIRA, David Gueiros, O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, UNB, 1980, p.44
por cerca de duzentos anos, o que prejudica bastante a busca por fontes europeias. Por outro lado, foi nas terras brasileiras que o Rito Adonhiramita evoluiu.
Sua chegada ao Brasil ocorreu presumivelmente entre o final do século XVIII e início do século XIX. Há menções à fundação da Loja Reunião em 1801, no Rio de Janeiro sob obediência do Grande Oriente da Ilha de França, atuais Ilhas Maurício; da fundação da Loja Distintiva em São Gonçalo, Rio de Janeiro em 1812 e da fundação da Loja Commércio e Artes no Rio de Janeiro em 1815, todas sob a égide do Rito Adonhiramita, sendo as duas últimas obedientes ao Grande Oriente Lusitano.8 Estas hipóteses na atualidade têm sido exaustivamente investigadas, e as descobertas têm trazido enorme enriquecimento sob os primórdios da Maçonaria no Brasil e do próprio início do Grande Oriente do Brasil.
Porém, há registros da prática do Rito Adonhiramita em período anterior, entre 1813 e 1815, no que foi o primeiro embrião de uma Potência Maçônica brasileira fundada em Salvador, Bahia. Neste sentido, o Museu da Grande Loja Unida da Inglaterra – GLUI, possui em seu acervo um ritual Adonhiramita traduzido por Hipólito José da Costa, talvez o maçom brasileiro mais proeminente na Europa do século XIX, que comprova de forma documental a prática do Rito Adonhiramita no Brasil antes mesmo de nos tornarmos uma nação independente9.
Após a fundação do Grande Oriente do Brasil, no dia 17 de junho de 1822, o Rito Adonhiramita permanece sendo praticado aqui de forma regular e goza de período de amplo crescimento, notadamente após a fundação do Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, ou Grande Oriente do Passeio, cujas Lojas seriam mais tarde integradas ao Grande Oriente do Brasil.
O primeiro ritual Adonhiramita editado pelo Grande Oriente do Brasil data de 1836, e foi publicado pela Typographia Austral, e tratava-se de uma versão ampliada da Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita.
Em seus primórdios o Grande Oriente do Brasil administrava todos os Graus dos Ritos praticados pelas Lojas Simbólicas federadas e não apenas os três primeiros, chamados Simbólicos. Assim, em 1839, através da sua Constituição, é criado um departamento denominado Colégio dos Ritos Azuis que passaria a administrar o Rito Adonhiramita e o Rito Francês ou Moderno até os Graus Superiores no âmbito do Grande Oriente do Brasil. O azul refere-se às Blue Lodges da Inglaterra, e ao Ritual de Emulação que adota esta cor para os Graus Simbólicos, o que ratifica a vertente inglesa na postura Adonhiramita apesar de sua origem francesa.
Em 1873, com a promulgação de nova Carta Magna, surge a figura das Oficinas-Chefe dos Ritos e é fundado o Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas referindo-se apenas à administração do Rito Adonhiramita.10
Em virtude de nova reforma constitucional ocorrida em 195111, adotando os conceitos do Conselho de Lausanne, ficam definitivamente separadas no âmbito do Grande Oriente do Brasil as administrações dos Graus Simbólicos e dos Altos Graus. Assim, em 1953 a Oficina-Chefe do Rito Adonhiramita passa a denominar-se Mui Poderoso e Sublime Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil.
No dia 2 de junho de 1973, ano em que se comemorava o centenário da fundação do Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas, o Mui Poderoso e Sublime Grande
8 PINTO, Teixeira, A Maçonaria na Independência do Brasil 1812-1823, Editora Salogan, Rio de Janeiro, 1961, p. 14
9 https://catalogue.museumfreemasonry.org.uk, página visitada em 25.05.2021
10 Grande Oriente do Brasil – GOB, Decreto n°21, de 2 de abril de 1873.
11 Grande Oriente do Brasil – GOB, Decreto n°1.641, de 23 de maio de 1951.
Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil se transforma em Excelso Conselho da Maçonaria Adonhiramita e passa a adotar trinta e três Graus.
Em 1991 ocorre o primeiro desmembramento da Oficina-Chefe Adonhiramita com a fundação do Sublime Grande Capítulo Adonhiramita que volta a adotar os treze Graus originais, porém, apartado do Grande Oriente do Brasil.
Em 2010 o Rito Adonhiramita faz o caminho de volta à Europa, de onde surgiu, e passa a ser praticado novamente em Portugal.
Atualmente existem cinco Potências Filosóficas administrando os Altos Graus do Rito Adonhiramita em território brasileiro, duas delas, o Supremo Conselho Adonhiramita do Brasil – SCAB, fundado em 2013 e o Supremo Patriarcado Adonhiramita do Brasil – SUPRAB, fundado em 2020 admitem em seus quadros exclusivamente membros do Grande Oriente do Brasil, e ambas adotaram a hierarquia de trinta e três Graus. A outra Potência é o Supremo Conselho do Grau 33 da Grande Loja Adonhiramita do Rio Grande do Sul, fundado em 2016.
À exceção do Sublime Grande Capítulo Adonhiramita, que tem em seu brasão dois unicórnios, as demais Potências Filosóficas adotam como símbolo do Rito o Stekenna.
O Stekenna não é um símbolo maçônico, é um símbolo cristão. É a imagem de um cordeiro branco, o Agnus Dei, o Cordeiro de Deus, repousando sobre um livro com sete marcadores ou selos, ostentando uma bandeira branca com uma cruz vermelha. Este símbolo, que pode ser visto em diversas catedrais católicas, refere-se ao Livro das Revelações, o Apocalipse de João Evangelista.12
A primeira menção a este símbolo no Rito Adonhiramita é da lavra do próprio Saint-Victor, e surge no primeiro volume da edição de 1785 da Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita, que diferentemente das versões anteriores é uma edição ilustrada. Saint-Victor, que aparentemente foi quem deu essa denominação ao símbolo, o descreve nos seguintes termos:
“Os sete selos que estão nesse livro designam os Sete Graus da Maçonaria; e o Cordeiro deitado sobre ele que é o Stekenna, mostra-nos que como só ele é digno de romper os selos, somente o verdadeiro Rosa-Cruz goza do privilégio de ler o livro que contém a doutrina completa dos maçons e de penetrar em seus mistérios mais secretos”.13
Saint-Victor parece deixar claro que da mesma forma que no relato do Apocalipse apenas Jesus seria digno de romper os selos e revelar o conteúdo do livro, somente o Mestre Adonhiramita perfeito, decorado com o Grau de Cavaleiro-Rosa-Cruz seria igualmente merecedor de prescrutar seus mistérios, aqui descritos como mistérios da Ordem Maçônica.
Na citação de Saint-Victor há um trecho interessante, que se refere aos Sete Graus da Maçonaria. É de se notar que o Grau de Cavaleiro Rosa-Cruz era o último na hierarquia de Graus tanto do Rito Adonhiramita quanto do Rito Moderno em seus primórdios, os Ritos Azuis do Brasil. No caso do Rito Moderno, ou Francês, esse Grau correspondia ao último das Ordens Sapienciais, ou seja, o Grau 7. Isso também reforça a tese de Argollo de que o Rito Adonhiramita em seus primórdios era praticado apenas em 7 Graus.
No Brasil o Stekenna é adotado como símbolo do Rito Adonhiramita pelo Grande Oriente do Brasil no ritual de 189614, onde surge na capa como ilustração. Nessa ocasião
12 Apocalipse de João (5, 1-6)
13 SAINT-VICTOR, Guillemain, Recueil Precieux de la Maçonnerie Adonhiramite, Volume I, Filadélfia, 1785, Explications des Emblemes des Estampes, p. 2
14 Grande Oriente do Brasil, Ritual dos Gráos Symbolicos, Rito Adonhiramita, Rio de Janeiro, 1896, Typographia do Grande Oriente do Brasil, Vale do Lavradio, 81
era um pouco diferente da imagem que conhecemos hoje, trazia uma Cruz de Jerusalém, que é composta de cinco Cruzes Gregas, sendo uma central e as outras quatro em cada um dos seus quadrantes, sobre a qual é sobreposta a imagem do cordeiro sobre o Livro dos Sete Selos. No cruzamento das hastes horizontal e vertical da cruz central há uma imagem não muito nítida que sugere ser um coração, uma rosa ou uma Pedra Bruta. Se qualquer uma destas hipóteses se confirmar, o que me parece razoável, veremos a associação com o Grau de Cavaleiro Rosa-Cruz no símbolo, o que faz todo sentido, principalmente se levarmos em conta a descrição de Saint-Victor.
A Cruz de Jerusalém por sua vez está associada às Cruzadas e às Ordens Militares de Cavalaria da Idade Média, que lutaram para resgatar Jerusalém do domínio sarraceno, os célebres Cavaleiros de Jerusalém, que também são mencionados em nossos rituais. Isso comprova a influência do templarismo sobre o Rito Adonhiramita.
Com o passar do tempo o símbolo foi se modificando, e a Cruz de Jerusalém deu lugar a uma emanação de raios surgindo por trás da imagem do cordeiro. Este é mais um símbolo cristão, notadamente católico, e se chama resplendor. Pode ser visto em objetos litúrgicos da Igreja Católica, como por exemplo nos ostensórios utilizados na eucaristia.
O esplendor em síntese é uma representação do Sol, e provavelmente foi inserida na doutrina cristã por Constantino I no Conselho de Niceia.
Constantino I se converteu ao cristianismo após numa batalha ter tido a visão de uma cruz nos céus onde aparecia a divisa in hoc signo vinces, com este símbolo vencerás, e a partir daí tornou o cristianismo a religião oficial de Roma.
Na verdade, todo este relato parece ter sido engendrado para efetuar o sincretismo entre a fé cristã, cujo símbolo era um peixe, o culto ao Solus Invictus dos romanos e o mitraísmo persa, ou seja, a emanação de Deus ou sua manifestação física no Plano Material se daria através dos raios solares que possibilitavam a manutenção da vida no planeta. Este conceito já era observado no antigo Egito, no atonismo de Akhenaton, Amenófis IV para os gregos.
E daí surge uma hipótese bastante razoável para a origem do verbete Stekenna, que não é próprio de nenhum idioma conhecido. O esplendor na verdade representa um brilho intenso, uma emanação de raios refulgentes e divinos, comparáveis aos raios solares que são capazes de nos cegar se os fitarmos diretamente. Na tradição judaica há uma referência a um fenômeno parecido, narrado inicialmente no Livro do Êxodo em relação à manifestação física de IAVEH entre as asas dos querubins no propiciatório da Arca da Aliança, que era denominado de Shekinah.
Há uma semelhança enorme na grafia dos dois verbetes, é possível, portanto, que os norte-americanos tenham confundido a caligrafia de Saint-Victor na ocasião da publicação da Compilação Preciosa e gravado Stekenna ao invés de Shekinah.
Os Sete Selos, que segundo Saint-Victor só poderiam ser rompidos pelo Maçom elevado à perfeição suprema, representariam as 7 artes liberais, as 7 virtudes, os 7 espíritos de Deus e os 7 chakras principais.
O Rito Adonhiramita possui peculiaridades que o diferenciam dos demais não apenas no que tange à ritualística, mas também com relação aos trajes.
Os maçons Adonhiramitas usam exclusivamente terno preto liso, o uso do balandrau só é permitido a visitantes desde que as sessões não sejam magnas. Os mestres Adonhiramitas usam chapéus pretos, faixas azul celeste com a joia do cargo pendente e espadas nas sessões de todos os Graus. Os Mestres Adonhiramitas usam espadas. Todos os maçons Adonhiramitas usam luvas e gravatas brancas, estas últimas são do tipo corrido para as sessões ordinárias e borboleta nas sessões magnas.
Em relação à ritualística, dispõe as colunas no Templo de modo invertido em relação a outros Ritos, não adota as colunas zodiacais, não há diáconos entre seus oficiais,
efetua a incensação do ambiente e dos obreiros, executa Doze Vibrações Argentinas para o convite aos trabalhos e ao descanso, abre o Livro da Lei no evangelho de João 1; 6-9, o mais místico dos evangelhos e que denota a influência do gnosticismo cristão, utiliza velas de cera nas sessões e realiza a liturgia de forma dramática e cênica.
O Rito Adonhiramita rompe a marcha com o pé direito, lado ativo, positivo, masculino, e circula em Loja segundo o movimento aparente do sol no firmamento, representando o fenômeno denominado analema que reproduz o símbolo matemático do infinito, o “oito deitado”, a lemniscata de Bernoulli.
A localização geográfica das Dignidades da Loja e do Cobridor Interno seguem o diagrama da Árvore da Vida do Sepher Yetzirah.
Todo maçom Adonhiramita recebe um Nome Histórico quando Iniciado, pertencente a alguém falecido que tenha prestado relevantes serviços à humanidade, pelo qual será exclusivamente tratado no ambiente maçônico. O Nome Histórico foi outrora denominado de Heroico e Apelido. Dentre os maçons célebres de nossa História temos José Bonifácio de Andrada e Silva envergando o Nome Histórico de Pitágoras, Joaquim Gonçalves Ledo o de Diderot, e D. Pedro I o de Guatimozim, último imperador asteca. Os maçons Adonhiramitas além do Nome Histórico tratam-se mutuamente como amados irmãos, entendendo que subliminarmente isso cria uma atmosfera de amor fraternal. “Rito do Amor” é uma de suas designações.
O Rito Adonhiramita utiliza um calendário especial, diferente do calendário maçônico instituído por James Anderson. Esse calendário é baseado no calendário hebraico, e é ao mesmo tempo solar e lunar. Solar porque inicia a contagem dos anos a partir do dia 21 de março, correspondendo ao equinócio de primavera no hemisfério Norte, tal qual faziam as antigas escolas de mistério, e lunar porque faz a divisão dos meses em função das fases da lua, numa alusão aos costumes dos antigos hebreus que eram pastores e não agricultores, e, portanto, julgavam mais importante o controle do período de gestação de seus rebanhos que o tempo de colheita. Os meses no calendário Adonhiramita não obedecem à ordenação do calendário gregoriano e possuem a seguinte denominação em ordem crescente: nisan, iiar, sivan, tamuz, ab, elul, tisri, kesvan, kislev, tebet, shevat e adar.
Este calendário foi utilizado na datação das primeiras atas do Grande Oriente do Brasil, e sua interpretação equivocada situou o célebre discurso de Gonçalves Ledo no dia 20 de agosto de 1822, estabelecendo o Dia do Maçom no Grande Oriente do Brasil, quando na verdade foi proferido no dia 9 de setembro de 1822, dois dias após a proclamação da independência do Brasil por D. Pedro I.
É um Rito dos mais atraentes, que faz da requintada liturgia e da espiritualidade suas principais características.
Sergio Emilião
M.I. – F R+C